quarta-feira, 30 de junho de 2010

A propósito dos jogos "mata-mata" - Solução


1091 gramas
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1 - Passatempo normal: Quem mais se tenha aproximado do valor correcto tem 12h, a partir de agora, para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando qual dos 2 livros pretende e morada para envio.

2 - Passatempo surpresa: Quem mais se tenha enganado (excluindo o leitor anterior, pois podia dar 2 respostas) tem 12h, a partir de agora, para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada... e receberá o outro.
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Actualização (20h04m): desta vez, não foi preciso fazer grandes contas.: Luís Bonito pode escolher o livro que pretende, e R. da Cunha receberá o outro.

O Discurso da Ambiguidade

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Por Baptista-Bastos

PEDRO PASSOS COELHO falou, com amenidade, acerca das alterações ao programa do PSD, que pretende intentar. Acentuou que o mundo está em mudança e que o partido, naturalmente, tem de acompanhar o mundo e a mudança. Para aviso das almas mais sobressaltadas esclareceu que Sá Carneiro, na "sua época", chegara a afirmar que o SPD alemão (o de Willy Brandt) era o seu paradigma e o molde que desejava aplicar ao partido que fundara. Neste momento, Passos Coelho sorriu levemente, e informou ser a CDU germânica o actual arquétipo do actual PSD, reconhecendo, assim, que caminhava, desenvolto, com os tempos novos. (Para os esquecidos, a CDU era o partido de Franz-Josef Strauss, o "toiro da Baviera", e um dos políticos mais reaccionários e perigosos da Europa daquele tempo, um paladino da Guerra Fria e do confronto sem concessões. É, também, o partido de Angela Merkel).

Não me parece que, actualmente, este seja o exemplo mais apropriado de partido e a ideologia mais adequada para enfrentar os nossos dilemas. Há dias, confidenciei, a um amigo comum, que Passos Coelho está a falar de mais e a não dizer rigorosamente nada.

O novo presidente do PSD está a encaminhá-lo para as zonas dos objectos perdidos, no propósito (acaso sem intenção, o que é pior) de romper os laços sociais, e de fazer desaparecer, simultaneamente, as garantias dos nossos direitos individuais, e um horizonte de valores cuja importância nunca denegámos. A exigência democrática não se compadece com a incerteza.

As últimas sondagens não são propícias a grandes euforias. Apesar da corrosão do PS, e de Sócrates ser o primeiro-ministro mais vilipendiado da democracia, os equilíbrios são surpreendentemente mais estáveis do que se previa. E a esquerda continua maioritária. Penso que o discurso de Pedro Passos Coelho provoca uma lógica de semelhança com o PS. Quando assevera que o PSD está, apenas, a ajudar o País, Passos Coelho embrulha-se numa dualidade de critérios que não encoraja a tomada de decisão por parte dos eleitores. De contrário, as conclusões da última sondagem, publicada anteontem no DN, seriam obviamente muito diferentes.

Se o Governo é a baralhada que se conhece, os torções a que procede o PSD, entre a palavra e a acção, impedem-nos de descortinar uma perspectiva de escolhas, de valores e de padrões. A tese de que não agir faz parte do agir parece-me anacrónica. Sobretudo quando, apesar de lacunas e desconsolos, o português comum já não participa nessa "adesão passiva" que fez a história das tiranias e das democracias de superfície.

E não há jornalistas estipendiados, nem comentadores do óbvio que consigam alterar esta direcção das coisas.
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«DN» de 30 Jun 10

Tripeça

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Por João Paulo Guerra

A DIRECÇÃO DO PSD fez saber que “conta com o CDS”. Assim como o país já sabe que o PS conta com o PSD.

De maneira que temos assim um "centrão" em versão ‘big Mac', ainda mais à direita, a apropinquar-se para comandar um país de maioria sociológica à esquerda. As aproximações entre PS e PSD e deste com o CDS não são coligações formais. Mas as coisas funcionam nestes termos: o PS precisa do PSD para fazer passar algumas das medidas mais gravosas das sucessivas austeridades; o PSD faz o jeito e até agradece que o PS carregue com o ónus das medidas mais impopulares e do trabalho sujo; mas como não quer ficar refém do PS, o PSD faz tagatés ao CDS, pressionando assim o partido do Governo; e o CDS inclui algumas das suas obsessões na agenda do PSD e, por conseguinte, do PS e do Governo.

No entanto, depois de tudo isto, constitui suprema ironia que a punição que o PS irá quase pela certa sofrer nas urnas, na primeira oportunidade, reverta a favor da direita. Mas isso, já Mário Soares chegou a responsabilizar os partidos social-democratas e trabalhistas que seguem políticas de direita por se constituírem nos grandes responsáveis pela viragem ainda mais à direita dos eleitorados nas democracias parlamentares europeias.

Seja como for, o Governo PS de minoria acaba por ter uma base de apoio em forma de tripé, o que sempre dá mais alguma estabilidade sob o ponto de vista aritmético. Porque sob o ponto de vista da estabilidade política ninguém se recordará de qualquer contribuição do CDS para tal desiderato. O que toda a gente se recordará é que o CDS fez cair o Governo PS/CDS e o da AD e só não deitou abaixo os de Barroso e de Santana porque não lhe deram tempo. Mas bem tentou. E aí está a democracia modelo tripé e a cair da tripeça.
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«DE» de 30 Jun 10

terça-feira, 29 de junho de 2010

Bom senso

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Por João Paulo Guerra

DEUS QUEIRA QUE Deus queira e que hoje, antes, durante ou após o Portugal – Espanha, a Polícia de Choque não se convença que é a Brigada Nun’ Álvares, a Ala dos Namorados, ou qualquer outros dos três lados do quadrado de Aljubarrota, e não decida intervir na “contenda”.


É que aquilo que pensámos que poderia ter sido um incidente isolado e que passara à história, em Julho de 2002, quando uma carga de polícia se abateu sobre os "nossos irmãos" brasileiros residentes na Costa da Caparica que comemoravam a conquista do Mundial de futebol, passou no final do Portugal - Brasil de sexta-feira passada a constituir um caso de brutalidade com antecedentes, uma reincidência. Como em 2002, na Costa da Caparica, em 2010, no Parque das Nações, a Polícia de Choque, a pretexto de regular o trânsito e evitar desacatos, interveio de "chanfalho" e ‘shot guns' com balas de borracha sobre foliões que celebravam, neste caso, a passagem simultânea das selecções de dois "países-irmãos" à fase seguinte do campeonato.

Hoje, no Portugal - Espanha, não poderá haver empate, só passa uma das selecções e a outra volta para casa. Mas esperemos por algum bom senso da parte dos comandos policiais, de maneira a refrear o ímpeto dos polícias de choque que, pelos vistos, estão com ganas de apresentar serviço.

Em 2002, Portugal entrou na notícia da vitória do Brasil no Mundial de Futebol apenas como campeão da repressão e da brutalidade, como então escrevi nesta mesma coluna. Na sexta-feira passada, a notícia pela alegria da passagem de Portugal, e Brasil, à fase seguinte do Mundial trazia um subtítulo com carga de polícia e feridos no hospital. Esperemos que as notícias de amanhã só falem de futebol. E, já agora, da alegria de uns que, neste caso, será a tristeza de outros.
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«DE» de 29 Jun 10

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Milionários

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Por João Paulo Guerra

O NONO PAÍS mais pobre da União Europeia ganhou 600 novos milionários em plena crise, apesar da crise, contra a crise e através da crise.

Razão tem o ministro da Economia quando diz que "Portugal tem um nível excessivamente elevado de desigualdades". O país em que cerca de 40% da população admite que todos os meses vive "uma luta constante" para conseguir pagar as suas dívidas, tem 600 novos sócios do clube do milhão ou mais. O facto é tanto mais surpreendente quanto o mesmo estudo que revela o crescimento de 5,5% do número de milionários e o aumento do valor das fortunas confirma, no mesmo espaço de um ano, de 2008 para 2009, que a produção industrial se reduziu e as exportações caíram. Portanto, os 600 novos milionários terão recebido heranças de inesperadas tias alegadamente ricas, terão sido bafejados por algum concurso televisivo, pela Santa Casa ou pelo Santo Espírito, ou ainda por uma carta da Nigéria.

Com este crescimento, Portugal passou a casa dos 11 mil milionários, o que é um feito notável por parte de um país tão pobre. Ora para uma população de 10 milhões, 40% dos quais em aflições - isto é, 4 milhões - ter 11.400 milionários diz algumas coisas. Diz, por exemplo, que por cada lote de 351 portugueses aflitos há um milionário, o que certamente será motivo de orgulho e atenuará o desconforto das aflições. Infelizmente, como em outros sectores da vida portuguesa, não se pratica uma política de proximidade que permita a cada aflito ou grupo de aflitos saberem quem é o respectivo milionário para nele se inspirarem.

Todas estas questões têm leituras diversas. À luz das Escrituras, o que se passa é que 11.400 portugueses mais dificilmente entrarão no Reino dos Céus do que um camelo passará pelo fundo de uma agulha.
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«DE» de 28 Jun 10

domingo, 27 de junho de 2010

Quanto indica a balança? - Solução


897 gramas
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Os 3 leitores que mais se tenham aproximado deste valor têm agora 24h para escreverem para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada. Poderão indicar quais dos 5 livros preferem, por ordem decrescente de interesse, sendo os pedidos atendidos por ordem de chegada dos mails.
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Actualização (21h53): após a necessária correcção, os valores parecem ser:

  • C. Antunes, palpite 892g, erro de 5g
  • G. Mil-Homens, palpite 903g, erro de 6g
  • Luís Bonito, palpite 888g, erro de 9g
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Passatempo adicional-surpresa: depois do que atrás se refere, vão sobrar 2 livros. Um deles será enviado ao primeiro leitor que, em comentário (no seguimento dos 'palpites' do peso) afixe uma frase de sua autoria em que conste (em maiúsculas ou em negrito) um qualquer dos 5 títulos dos livros.

Actualização (21h41m): este "adicional" foi ganho por "Mg" com o comentário das 20h08m

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

A FANTASIA de lançar um candidato de direita alternativo à recandidatura de Cavaco Silva continua a ocupar o labor de várias mentes. Bagão Félix sugere a Santana Lopes que avance e avisa que, «se isso acontecer, tem de ser encarado com naturalidade e não como uma heresia», pois «daí não virá nenhum mal» ao mundo. Por seu lado, Santana Lopes propõe que seja Bagão Félix a entrar na corrida, exige que a candidatura apareça «até Julho» e teoriza: «Há 2.ª volta nas eleições presidenciais exactamente para poderem ir à 1.ª volta os que sentem que o devem fazer».

Aqui chegados, cabe fazer duas perguntas elementares. Uma candidatura alternativa a Cavaco em nome do quê, para o centro-direita? E em representação de quem ou de que forças políticas? Será que o PSD e o CDS não se revêem politicamente na figura e nos valores defendidos por Cavaco Silva? Ao que se sabe, consta que ambos se revêem e o apoiam. O que sobra ou quem sobra então, nesta área partidária e política, que não se sinta representado? Santana e Bagão? Parece pouco para tão elevado e exigente desígnio. Pouco e muito marginal.

A ideia é arranjar uma espécie de Fernando Nobre de direita, apenas para dificultar a vitória de Cavaco à 1.ª volta, que saia vergado a uma votação residual e desprestigiante? Tratar-se-á, no fundo, de um ajuste de contas políticas mal resolvidas no passado? Ou, tão-só, da irresistível ânsia de protagonismo pessoal?

Não deixa de ser curioso que o mesmo Bagão Félix que agora acha que «daí não virá nenhum mal» ao mundo, pensasse, há menos de um mês, coisa radicalmente diversa, alertando que uma suposta candidatura alternativa «poderia ter sempre o ónus de fazer perigar a vitória do actual Presidente de República». O que terá mudado? Ou quem o terá mudado?

Freitas do Amaral veio, entretanto, avisar que «a ideia de impedir a vitória de Cavaco à 1.ª volta é perigosa». E Freitas sabe bem do que fala. Em 1986, obteve na 1.ª volta 46,3% contra 25,4% de Mário Soares. E perderia as eleições presidenciais para Soares pela escassa diferença de 130 mil votos, na 2.ª volta. Santana e Bagão também estão bem recordados.
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«SOL» de 25 Jun 10

sábado, 26 de junho de 2010

Os dois Saramagos que conheci

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Por Carlos Pinto Coelho

FOI A TARDE em que todos os demónios invadiram o meu Diário de Notícias. Pelos corredores fervilhavam inquietações e boatos. O senhor Raimundo, o mais antigo contínuo da Redacção do jornal, vem dizer-me que sou chamado ao gabinete do director. Meia hora depois tomo conhecimento de que estou despedido (ou “saneado” como então se dizia). Exactamente um ano depois da alegria dos cravos.

Na vetusta “sala verde”, onde Augusto de Castro vivera as suas gloriosas décadas de director do Diário de Notícias, estava agora José Saramago à secretária, rodeado de gente. Era ele o recém-chegado director-adjunto do jornal, designado pelo Partido Comunista para conduzir o Diário de Notícias pelos caminhos da revolução, general com poder para movimentar o que houvesse que movimentar. Mas não foi ele quem me recebeu, antes um jornalista chamado Luís de Barros, militante que o Partido designara director do jornal. De modo que foi Barros quem me transmitiu, de forma atabalhoada, a sentença ditada por Saramago. Não soube do que era acusado, nem ouvi menção a faltas, crimes ou desvarios, ideológicos ou outros. Soube apenas que estava na rua (“saneado”) e ponto final. Tinha entrado, pura e simplesmente, na enxurrada de “reaccionários” e “fascistas” em que milhares de portugueses fomos embrulhados pela turba cega que tinha tomado as rédeas dos órgãos de informação.

Lembro-me de que o meu convicto carrasco me conduziu à porta do seu gabinete, contíguo à “sala verde”, e que, nesse momento, olhei uma última vez para o Supremo Inquisidor. Continuava á secretária, rodeado de gente, sereno, hirto, distante. Dominador.

Anos e anos se passaram. Nas voltas da vida, Saramago é banido do Diário de Notícias e escreve os seus melhores romances, eu vou para a televisão e faço o Acontece na RTP 2. E um dia encontramo-nos, ele escritor prestigiado, eu jornalista conhecido. Foi no restaurante do campo de golfe de Tróia. Um almoço volante onde estavam dezenas de jornalistas e escritores, já não me lembro porquê.

Vejo-o sozinho a uma mesa. Pego no meu café, aproximo-me, cumprimento-o. Sou retribuído com um sorriso e convite para me sentar. Pergunto: “O Saramago acha-me um reaccionário ou um fascista?” Olha-me, perplexo: "Que pergunta, Carlos!” Recordo então a tarde em que todos os demónios invadiram o meu Diário de Notícias. Ele, atento, assombrado, a ouvir. Eu, sereno, a esmiuçar os mil detalhes que carregava na alma. E foi quando, levantando-se pesadamente, com todo o vagar do tempo inteiro, um Saramago formalíssimo, quase solene, mas também subitamente abatido como se alguma rajada de vento mau por ali andasse, murmurou qualquer coisa que não percebi à primeira. Ele repetiu: "Peço-lhe perdão.” E estendeu-me a mão. Avancei um abraço.

No exemplar do Memorial do Convento que anos depois me autografou, guardo o seu abraço “com amizade (muito mais do que as palavras...)”.

Público de 23 Jun 10

Dois Portugal - Espanha

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Por Antunes Ferreira

NA ÁFRICA DO SUL, Portugal defronta a Espanha na terça-feira, 29. Em Lisboa, Portugal defronta a Espanha no dia seguinte, ou seja a 20. Como assim? Parece um paradoxo, mas não é. O que une os dois acontecimentos é o confronto entre os dois países ibéricos. No restante, o caso fia muito mais fino.

Vamos por partes. Na primeira das datas as equipas de Portugal e da Espanha jogam nos oitavos de final da Mundial 2010, tendo por palco o estádio Green Point na Cidade do Cabo. Como dizia o anterior seleccionador nacional, o brasileiro Scolari, é um jogo do mata-mata. Quem ganhar passa aos quartos de final. O que quer dizer que o derrotado arruma as botas – e o restante equipamento – faz as malas e regressa ao lar–doce-lar.

De seguida, o embate verificar-se-á aqui na nossa capital durante a Assembleia-geral da Portugal Telecom. De um lado, alinhará Administração da PT e os accionistas que não querem vender, do outro a Telefonica de Espanha que quer comprar. O quê? Toda a gente que segue com alguma atenção este folhetim das telecomunicações sabe que o desacordo existe quanto à tentativa de Madrid de comprar a Participação de Lisboa na VIVO, uma operadora de sucesso no negócio de telefones móveis do Brasil, que ali são os celulares.

As coisas são o que são e singularmente a terra da Vera Cruz está indissoluvelmente ligada aos dois enfrentamentos. No primeiro, o escrete já tinha garantida a passagem à fase seguinte do Mundial. E jogava com Portugal. Registou-se um empate insosso sem golos marcados e, assim, os lusos qualificaram-se também. Com declarações finais do seleccionador Dunga, um tanto exaltado, acusando os tugas de terem entrado em campo para não pretenderem ganhar, só empatar.

Pelo seu lado, Carlos Queiroz vituperou os brasucas pelas entradas violentas para intimidar os jogadores de uniforme vermelho e verde. Por trás dessas declarações conflituosas, a principal razão era que ambos não queriam defrontar os homens de Vicente del Bosque, campeões europeus em título. Caiu-nos em sorte, por mor dos regulamentos, que as duas selecções ibéricas vão mesmo ter de se matar uma à outra. Fatal, como o destino. E só uma passará.

Voltemo-nos para o embate do dia seguinte. Até hoje de madrugada, data em que escrevo esta crónica, os esforços da operadora espanhola parecem não ter o sucesso que a Telefonica pretendia. Os accionistas, que votarão contra o negócio, deverão fazê-lo na esperança de que os espanhóis ofereçam mais dinheiro pela tentativa de compra. E até Sócrates revelou ontem no Parlamento que já dera ordem à CDG e à Parpública para votarem contra.

Estes desaguisados são, pelo menos, um atentado contra a Jangada de Pedra do Saramago que acabou de falecer há dias. As relações económicas e principalmente as financeiras entre as duas entidades máximas das telecomunicações móveis de Portugal e da Espanha.

E também aqui não se poderá aceitar um hipotético empate, porque também se trata de outro mata-mata. Por certo muito mais grave do que o que decorre em território sul-africano. Os golpes mais ou menos sujos estão lançados. A CMVM diz que não pode intervir. A FIFA diz o mesmo.

Desde que Portugal se tornou independente que isto tem sido calino. Em muitas matérias. Mas em Futebol e Finanças, simultaneamente, é caso raro. Raríssimo. Para mim – único.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sem custos

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Por João Paulo Guerra

«SE EU FOR DOIS DIAS ao Algarve é ou não justo que pague (portagens) na Via do Infante?” A pergunta, formulada pelo efémero primeiro-ministro de Portugal de 2004 só agora recebe resposta.

O Governo do PS, apoiado ao governo-sombra do PSD, responde que sim, que seja lá quem for que passe pelas auto-estradas "sem custos para os utilizadores" deve pagar portagem. Mas para que a sugestão de Santana Lopes viesse a ser formalizada não bastou que o ex-primeiro-ministro passasse o testemunho aos socialistas. Foi necessário que os socialistas mudassem de ideias.

Em 2004 Santana Lopes argumentava que as receitas extra das portagens das auto-estradas "sem custos" seriam utilizadas "para aumentar as pensões", promessa comovente mas que não chegou para suster a queda desamparada nas eleições de 2005. E assim chegou ao poder José Sócrates que simplesmente prometeu "manter as portagens grátis". Na campanha para as eleições de 2005, percorrendo o Algarve, o Alto Alentejo e a Beira Interior, essa foi a promessa de José Sócrates mais aplaudida: "com um governo do PS as auto-estradas sem portagens continuarão sem portagem".

Mas entretanto também o PSD chegou ao governo. E pela mão invisível do PSD na governação PS lá vingou a decisão de cobrar portagens nas auto-estradas "sem custos para os utilizadores". Santana Lopes estará finalmente esclarecido.

Tudo isto coloca uma delicada questão de regime. Os cidadãos votam em função de programas e promessas eleitorais e desse modo escolhem uma política e quem a execute. E depois o programa eleito é deitado fora e substituído por medidas que os eleitores maioritariamente rejeitaram. Com uma simples errata: onde se lê "sem custos" agora passa a ler-se "paga e não bufes".
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«DN» de 25 Jun 10

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Quanto indica a balança? - Solução


322 gramas
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OS DOIS leitores que mais se tenham aproximado deste valor têm, a partir deste momento, 24h para escreverem para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada. Em caso de empate, tem preferência quem tenha dado o 1.º 'palpite'.

Quanto aos livros, estão disponíveis, como se disse, O Álibi Perfeito e A Sanguessuga.
O primeiro leitor que escrever para o endereço indicado receberá o que preferir, sendo o outro livro atribuído ao outro leitor.
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Actualização (20h02m): os vencedores são E(D)U, com o palpite 316 g, que errou por 6 e Matrioska, com o palpite 333 g, que errou por 11.

O carbono e os faraós

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Por Nuno Crato

CHEGARAM-NOS ESTA SEMANA notícias sobre a cronologia do antigo Egipto. As datas que se encontraram não foram estabelecidas com base em documentos nem em monumentos. Foram obtidas através de restos de objectos muito mais prosaicos: plantas.

Num artigo publicado na “Science” desta semana (328, p. 1554), um grupo de investigadores de Inglaterra, França, Áustria e Israel obteve datações de sementes, têxteis e frutos associados a diversos reinados do antigo Egipto. No total, foram analisadas 211 amostras provenientes de vários museus. Os resultados confirmaram algumas hipóteses estabelecidas pelos historiadores e questionaram outras. As maiores novidades referem-se ao chamado Reino Antigo, em que se encontraram datas anteriores às anteriormente assumidas. Sendo assim, o Novo Reino, que anteriormente se pensava ter começado cerca de 1500 anos a.C., tem agora data estimada de início entre 1720 e 1640 a.C.

A leitura do artigo da “Science” e do comentário que aparece na mesma revista (p. 1489), impressiona por mostrar o papel que a física e a geologia têm para a arqueologia moderna. As datas são discutidas relacionando os vestígios da erupção de Santorini (c. 1600 a.C.), cronologias diversas de artefactos em Creta e datações de restos orgânicos através do Carbono 14.

Esta última técnica foi desenvolvida pelo químico norte-americano Willard Libby, que a propôs em 1949. Como se sabe, o Carbono tem vários isótopos. Este elemento, que tem sempre seis protões no seu núcleo e portanto seis electrões em órbita, pode ter um número diverso de neutrões. Recebe um número conforme o total de protões e neutrões que possui. Existem dois isótopos estáveis, o Carbono 12 e o 13, e um instável, o Carbono 14. Este último desintegra-se constantemente, gerando Azoto, um electrão e um antineutrino.

Os isótopos estáveis são muito abundantes, enquanto do radioactivo se registam apenas vestígios. No entanto, apesar de o Carbono 14 ser instável, a fracção deste isótopo na atmosfera tem permanecido relativamente constante, dada a sua criação permanente por acção de raios cósmicos.

Os seres vivos incorporam constantemente o carbono e, portanto, têm uma fracção de Carbono 14 derivada da que se encontra na atmosfera. Quando morrem, contudo, o ciclo interrompe-se e o isótopo radioactivo vai decaindo a uma taxa constante. É um fenómeno físico muito curioso. Cada átomo radioactivo tem, em cada intervalo de tempo, uma probabilidade determinada de se desintegrar. Nunca se sabe o que vai acontecer a cada átomo em particular. Mas, tomando um número elevado de átomos, como o que existe em qualquer resto visível de planta, mesmo que diminuto, o decaimento segue uma lei muito regular. Em cada 5730 anos, metade dos átomos de Carbono 14 desintegra-se. De onde resulta que, medindo a percentagem desse isótopo radioactivo que existe em cada amostra de carbono, pode-se estimar há quantos anos o animal ou a planta deixou de absorver carbono da atmosfera, ou seja, há quantos anos morreu.

Segundo o que agora se descobriu, as plantas dos faraós do antigo reino morreram há mais anos do que anteriormente se pensava.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 19 Jun 10

O Certo e o Errado

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Por Baptista-Bastos

UM JORNAL ESCREVEU, em editorial, sobre José Saramago: "Esteve, muitas vezes, do lado errado da História." Infere-se, deste duro juízo moral, que o feliz editorialista conhece o lado certo da História, e que ele próprio se situa, intrepidamente, nesse lado. E que é o lado certo ou errado da História? O lado certo será límpido e asseadíssimo; o errado, por antinomia, sujo, abjecto, torpe.

O simplismo da afirmação retém, em si, a totalidade das ideias feitas; e a estrutura do conceito é reveladora da preguiça mental, invariavelmente associada à atracção exercida pelos "vencedores" da História sobre aqueles cujo horizonte de valores é unívoco e maniqueísta. Claro que a frase do editorialista autoriza-nos, pelas razões expostas, a considerá-la uma parvoíce. Até porque se entende, com clareza, o que, verdadeiramente, ele deseja atingir.

Que é um "vencedor" da História? Thiers, o carniceiro dos comunards? E estes serão, mesmo, os "vencidos"? Franco foi o "vencedor" da Guerra Civil em Espanha?; Pinochet foi-o, no Chile?; e Videla na Argentina? As interpretações clássicas conduzem, habitualmente, a concessões ao que convém dizer. E o que convém dizer, nesta como em outras matérias afins, faz parte da "submissão" a um particular modelo de pensamento.

Saramago foi um comunista desobediente; nunca dissidente porque não tolerava as derivas morais, periodicamente em moda. Esteve sempre onde a consciência o determinava. Em Chiapas, nas batalhas rurais, como a protestar contra as iniquidades de uma lei de imigração nas Canárias ou em Madrid. Cortou com Cuba porque não sabia reduzir o superior ao inferior. O seu rosto grave nunca perdeu a preocupação do mundo. Havia nele algo de sartriano: o gosto de se envolver, a exultação em se arriscar, a felicidade de desafiar. Não estava de perfil para o "acontecimento"; escolhera a exigência dos factos para melhor compreender o coração dos homens. Um ser desta estirpe contrairia inimigos ferozes e amigos efusivos. O seu lado era esse, o do compromisso, numa época funesta em que os intelectuais, por cansaço, indiferença ou estratégia, haviam desistido de ser cidadãos.

Talvez não tivesse razão, algumas vezes; talvez. Mas nunca deixou de exercer o acordo ético e ideológico que implica o despique e que recusa qualquer espécie de "arbitragem". Sobretudo, nunca emudeceu quando as vozes de muitos outros se cumpliciavam com a cobardia. Esteve no lado que envolve a relação problemática entre poder e liberdade. Quero dizer: escolheu a instabilidade, as ameaças e os riscos. E é um dos maiores escritores portugueses de sempre.
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«DN» de 23 Jun 10

Modelo

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Por João Paulo Guerra

A riqueza produzida e distribuída por cada português coloca o país como o 9º mais pobre da União Europeia.


Se a questão do PIB per capita se resolvesse aos pontapés na bola Portugal estaria certamente numa posição mais favorável e altamente eufórica do ‘ranking'. Mas a realidade é que, pelo terceiro ano consecutivo, o poder de compra dos portugueses permaneceu nos 78% da média da União Europeia, o que coloca Portugal atrás do Chipre e da Grécia, da Eslovénia e da República Checa, entre outros, e a milhas de países como o Luxemburgo, a Irlanda ou a Holanda, uma outra Europa, aqui ao lado e tão longe. Ou seja: Portugal não só não promoveu a aproximação aos índices europeus de poder de compra e nível de vida como estagnou nos últimos três anos no fundo da tabela, ultrapassado recentemente pela Grécia e por Malta. Um verdadeiro atraso de vida.

Dados como estes conferem uma desconfortável realidade: o contínuo atraso de Portugal no que diz respeito à produção e distribuição da riqueza e ao consequente bem-estar da população do país não tem a ver com esta ou aquela crise. Vem de trás e é resultado de uma política deliberada, cometida ao longo de décadas por diversos embora não muito diferentes governos, orientada para a produção de ricos em lugar da criação e distribuição da riqueza.

Governado em regime de alterne por socialistas ou social-democratas, o que na Europa quer dizer a mesma coisa, Portugal tem-se afundado numa crise social de acentuada e acelerada degradação das condições de vida da maioria da população, com ou sem crise, com empobrecimento de estratos da população decisivos para a dinamização da economia. Não é esse, no entanto, o modelo do país. Se é que o país tem algum modelo para além da mais retrógrada exploração.
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«DE» e 23 Jun 10

terça-feira, 22 de junho de 2010

Homenagens

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Por João Paulo Guerra

NÃO HÁ RAZÃO para criticar o prof. Cavaco Silva por não ter estado presente no funeral do único Prémio Nobel da literatura portuguesa.


Nada mais falso que unanimidades de fachada e o chefe de Estado limitou-se a reafirmar, pela ausência, que não faz parte daquele mundo e que não se sente presidente de todas as manifestações da sociedade que engrandecem os portugueses. Aliás foi sob a chefia de Governo exercida por Cavaco Silva que um romance de Saramago foi censurado da lista dos candidatos portugueses ao Prémio Literário Europeu e ninguém poderá crer que uma decisão de tal responsabilidade tenha pertencido a um obscuro subsecretário de Estado cujo nome já ninguém recorda, ou a um secretário de Estado mais lembrado pelos pontapés na cultura que por outra coisa qualquer.

De igual modo a ausência do líder do PSD teve como objectivo afirmar o retorno a uma linha do partido avessa às coisas do intelecto e da cultura, pouco sofisticada, mais dada à leitura de relatórios que de livros, para usar uma feliz expressão de Mário Soares. Cabe mais uma vez a José Pacheco Pereira proclamar e confirmar que no PSD também há quem vá à ópera, a concertos, ao teatro e quem leia livros. Alguns outros figurantes da cena político-mediática fizeram questão de anunciar as respectivas ausências não fossem as mesmas passarem por completo despercebidas.

Restam os presentes, milhares de pessoas simples que anonimamente foram sublinhar a importância da cultura, das letras e o papel de um grande criador, amigos e admiradores sinceros, ou pessoas que simplesmente reconhecem a dimensão universal do falecido, como gente que foi pôr-se em bicos dos pés tentando colar-se à notoriedade de um imortal.

Têm razão todos aqueles que desconfiam das homenagens.
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«DE» de 22 Jun 10

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pergunta-de-algibeira - Solução


... Gomes Leal
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Este passatempo acaba por estar relacionado com o anterior (obra de Saramago) porque o monumento em causa está no Cemitério do Alto de S. João, tendo sido fotografado no dia do funeral do nosso Nobel. Assim, o prémio é o mesmo, ou seja: o exemplar de O Memorial do Convento (Ed. Visão) ou qualquer outro da lista que poderá ver [aqui].
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Actualização (21 Jun 10 / 7h37m): 'AM' tem 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando qual o livro que prefere e morada para envio.

domingo, 20 de junho de 2010

A santíssima ignorância

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Por Rui Tavares

UM DIA, Rui Pedro Soares será apenas um nome que ligaremos a um escândalo político que já lá vai. Pouco antes de desaparecer na obscuridade, porém, decidiu fazer declarações em que comparava a comissão parlamentar de inquérito ao caso PT/TVI aos “tribunais da Inquisição”.

Rui Pedro Soares talvez não entenda que, enquanto este for lembrado, o seu nome será para os portugueses (incluindo, não pense ele outra coisa, aqueles que votam no seu partido) o emblema da mediocridade e da arrogância que chega ao poder e ao privilégio por intermédio de favorecimentos e favoritismos, que exerce esse poder da forma mais gabarolas e irresponsável, tendo como único objetivo satisfazer o mando do político que o pôs naquele lugar, e que para desempenhar tal tarefa é pago num ano muito mais do que muitos portugueses esforçados e honestos ganham trabalhando a vida toda.

Por gente como ele, Ricardo Rodrigues, e outros, se falará um dia de “tralha socrática”.

Para a maioria dos portugueses (incluindo os do PS) Rui Pedro Soares não passou nunca de uma espécie de capanga de luxo, encarregado de despachar os trabalhinhos sujos dos outros. Para lá disso, a sua atitude só surpreendia pela desfaçatez e descaramento. E agora juntou-lhe uma ignorância gritante e ofensiva.

Vamos recapitular brevemente as principais diferenças entre um tribunal da Santíssima Inquisição e uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Num tribunal da Inquisição, Rui Pedro Soares poderia ser preso por denúncias anónimas ou meros rumores. Uma vez preso, ficaria nas masmorras até que os seus juízes se dessem por satisfeitos com as suas declarações. Ficar em silêncio não seria, evidentemente, um opção. Rui Pedro Soares seria provavelmente torturado para falar. O tribunal teria então de determinar se ele estava ou não arrependido e, para tal, agradeceria se ele pudesse denunciar mais três ou quatro pessoas. Depois de um tempo de prisão indeterminado, Rui Pedro Soares poderia ser sujeito a castigos corporais ou à pena de morte.

Tenha-se ainda em conta que o Tribunal da Inquisição (ou tribunais, por eram vários) tinham uma rede de milhares de espiões pelo país todo (os “familiares”) e que, além de um tribunal religioso era também uma agência étnica/racial que pôs durante um par de séculos milhares de portugueses a elaborarem certidões para provarem que não tinham antepassados judeus (as “habilitações de limpeza de sangue e geração”).

Agora a Comissão Parlamentar de Inquérito, vulgo CPI. Rui Pedro Soares foi chamado a uma comissão composta por representantes eleitos da nação que pretendiam extrair um julgamento político de certos acontecimentos de que ele tinha sido um ator-chave. Sendo o julgamento político, a CPI não se destinava a punir nem a castigar. Acresce ainda que, com razão ou sem ela, a CPI se auto-limitou na utilização de certos meios de prova (as célebres escutas). Lá chegado, Rui Pedro Soares decidiu não falar, tal como noutra comissão tinha decidido falar durante largos minutos sobre futebol (*) e outros assuntos que ocuparam desnecessariamente tempo precioso. Toda a gente achou que ele estava no seu direito e não lhe aconteceu nada por isso.

As diferenças estão claras. Deveríamos estar todos satisfeitos por uma CPI não ser como a inquisição, a começar por Rui Pedro Soares. Em troca, ele deveria poupar este povo cansado à exibição da sua pesporrente ignorância.
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In RuiTavares.Net
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(*) NOTA (CMR): Podem ver-se essas saborosas declarações [aqui].

sábado, 19 de junho de 2010


1405 gramas
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Quem mais se tenha aproximado tem, a partir de agora, 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio do prémio. (Em caso de empate, tem prioridade o 1.º "apostador").
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NOTA: se o vencedor já tiver o livro, poderá escolher qualquer outro da lista que poderá ver [aqui].
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Actualização (20h11m): se não me enganei nas contas, o passatempo foi ganho por "Musicólogo", com o palpite 1411 g => erro = 6 gramas.

Palhaço ou toureiro

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Por João Duque

UM DIA DESTES, perguntaram a um miúdo da família: "O que é que queres ser quando fores grande?" Sabem qual foi a resposta? "Quero ser reformado!" Bonito! Um puto de nove anos diz-me que o que mais almeja da vida é ser reformado!

Estava eu esta semana a contar a mesma história a uns amigos e, antes de dar a resposta, ouço-a pronta da boca de um dos compinchas: "O puto quer ser reformado!" Espantado, perguntei-lhe como é que adivinhara. "É pá, um miúdo meu amigo deu-me a mesma resposta há umas semanas!"

Lindo! O caruncho ataca fundo e espalha-se depressa...

O país está de rastos. As finanças públicas afundam-nos. As empresas, endividadas, estão sem meios para financiar a actividade que proporcionará trabalho. A Justiça tolhe-nos. A educação regride. E quando todos precisamos que uma nova geração venha cheia de esperança, força e criatividade para nos ajudar a pagar as colossais dívidas que juntámos, ei-los a responder em uníssono: "Queremos ser reformados!"

Mas afinal, porquê o meu espanto?

Durante anos, assisti atónito a um ardente desejo nacional de "passar à pré-reforma", situação deliciosa em que, numa mistura de empresa e Estado, num conluio intrageracional, [inter?] se decidiu que não se trabalhava, se ia para casa mantendo o rendimento por inteiro. As deliciosas justificações eram mais do que muitas: esta gente (na casa dos 50!) já não se consegue reciclar, esta gente dá mais despesa em luz, papel, água ou renda pelo espaço que ocupa (no emprego, leia-se), do que se forem para casa, etc., etc., etc...

Da pré passava-se à dita, até porque aquela não passava de um purgatório à beira do paraíso...

Depois veio a técnica de 'comprar a reforma.' No meio de confusões monumentais e por esquemas que qualquer actuário de terceira categoria reprovaria liminarmente, assisti à escandalosa compra de reformas magníficas por pessoas importantíssimas, à mistura com a arraia-miúda que também aproveitou da confusão, até porque os eruditos esquemáticos sempre tiveram de usar a lei dos grandes números para se safarem no meio das multidões...

E é este o estado de Portugal. Temos uma geração de reformados florescentes, muitos ainda 'jovens' e, valha-nos isso, a transpirar saúde, com reformas nunca mais igualáveis - garantidas por direitos adquiridos e que nunca mais ninguém poderá adquirir -, a fazerem as delirantes delícias de uma geração de netos que vêem nos avós tudo o que os seus pais não têm: tempo, saúde, dinheiro, alegria, rejuvenescimento... Ao contrário, os pais correm atrasados para todo o lado, queixam-se de falta de dinheiro para acudir às exigências, da instabilidade do emprego, perdem a alegria, gritam com os filhos, definham, envelhecem.

Portugal corre o risco de ficar corroído pelo bicho da preguiça calaceira com uma geração já cansada antes mesmo de começar.

Na minha geração queríamos ser médicos, engenheiros ou advogados, com um ou outro mais arrojado a preferir: "Palhaço ou toureiro!"
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«Expresso» de 12 Jun 10

Uma obra menor

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Por Antunes Ferreira

MORREU JOSÉ SARAMAGO. Curta a notícia, grande o pesar. Desapareceu o único Nobel Português – a solo. Egas Moniz fora-o também, porém a meias.

Normalmente, uma ocasião destas é motivo mais do que sobejo para dizer bem do falecido. Dos falecidos. Pelo Mundo inteiro esta prática – que vem, presumo, desde que o primeiro homem o foi, porque começou a falar – é tão habitual que a admiração surge quando se diz mal. E quando assim acontece, vem um tanto afastado da data do óbito. Há excepções, todas as regras as têm.

Tive o privilégio de conhecer Saramago, de com ele conversar, de almoçar com ele por diversas, bastantes mesmo, vezes. Homem difícil, não pela frontalidade, mas pelo feitio, de algum modo pouco simpático. Um dia, em meados de 1976, na Varina da Madragoa, onde quase diariamente almoçava com a sua mulher de então, a Isabel da Nóbrega, foi ele que se me dirigiu, pela primeira vez.

Fiquei um tanto admirado. Admirador confesso dos seus livros, para mim tratava-se de uma honra. «Não quero incomodá-lo. Sei quem é e que foi para o Diário de Notícias depois de eu ter saído de lá. Quero apenas, desejar-lhe sorte, porque bem precisa dela. É uma casa complicada. Mas, pelo que sei de si, acho que se vai desenvencilhar».

Agradeci-lhe e perguntei-lhe se queria tomar o café connosco, bem como a Isabel, que conhecia bem, era colaboradora do DN e quando ali ia entregar os textos dela dava-me uns dedos de conversa amável. O jornalista e escritor olhou-me através das lentes dos seus óculos, penso que terá reparado na minha mulher e disse, com uma certa secura: «Um dia destes». Só.

Anos depois, creio que em Outubro de 90, encontrámo-nos na Bertrand. Eu tinha acabado de ler o seu livro mais recente, a «História do Cerco de Lisboa» - de um jacto, de tal modo me entusiasmara. O enredo, admirável, era, simultaneamente um isco a que não se podia escapar e um passo enorme no seu caminho de ganhador.

Fomos almoçar. E exaltei o que me tinha obrigado a duas noites em claro, dei-lhe os parabéns, mas, sobretudo, o meu agradecimento pelo prazer que me proporcionara. Limitou-se a acenar com a cabeça, como que sendo o suficiente para me responder.

Mas, de súbito atirou-me com uma pergunta calina: de qual das suas obras gostara eu mais. Não tive dúvidas em responder-lhe (e nem hoje as tenho) que era precisamente a «História do Cerco de Lisboa». Mediu-me de novo. «Isso nem parece seu. Trata-se da minha obra menor».

Ontem, quando me chegou a notícia do seu desaparecimento, lembrei-me desta estória. E do seu feitio frequentemente desagradável. E do telefonema que lhe fiz aquando do Nobel. E da resposta dele, que foi apenas o renovar do comentário antigo. «Continua a dizer que do que gosta mais é da minha obra menor»? Continuava – e continuo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O casar, o pagar e o morrer

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Por João Duque

DIZ O POVO, e eu repito-o nas aulas de Finanças Empresariais, que “o casar, o pagar e o morrer, o mais tarde que puder ser”.

A ideia subjacente ao morrer é óbvia embora, quando a vida se torna penosa, particularmente do ponto de vista físico, muitos dos que rodeiam o paciente, e por vezes, até o próprio, peçam à caridade divina a antecipação da data de expiração.

Quanto ao casar, a ideia é mais rebuscada. Se o casamento é um passo para a felicidade, porque razão diz o povo que o ideal é adiá-lo? Vários motivos podemos apontar para isso, mas o que me diverte mais é quando penso que exercendo o direito do matrimónio se exerce uma opção que, como muitas outras, tem bem mais valor viva do que "morta". É sempre possível encontrar um outro parceiro bem mais abastado por quem valha muito mais o exercício da companhia e a perda de liberdade...

E o pagar? O mais tarde que puder ser, ensino eu nas aulas de Finanças Empresariais, admitindo que esse pagar mais tardio significa uma fonte de financiamento fácil, barata e legal! Não advogo o pagar tardio para além do estipulado, pois uma coisa é o prazo acordado e que deve ser cumprido, outra, o prazo efectivo. Mas quando pugno para dilatação dos prazos de pagamento a fornecedores isso significa tentar dilatar prazos de pagamentos negociados no acto da preparação anterior à celebração dos contratos. Depois, é pagar na hora devida.

O que se passa em Portugal é um preocupante e generalizado incumprimento nos prazos de pagamento. A Intrum Justitia publicou recentemente um estudo que mostra que particulares, empresas e Estado todos pagam bem mais tarde do que o acordado e, pior, que o Estado é quem mais se atrasa no pagamento. Em média os particulares acordam pagar a 30 dias, mas pagam a 62 (um desvio de 107%). As empresas acordam pagar em média a 51 dias, mas pagam a 88 (um desvio de 63%). E o Estado acorda pagar em média a 57 dias e paga a 141 dias (com um desvio de 147%)! Quer dizer, mesmo em termos relativos o Estado é o que mais se atrasa.

Portugal tem um prazo médio de pagamentos muito superior ao da média europeia (97 dias para Portugal e 55 dias para a média europeia) e o nosso só é inferior ao da Espanha, Grécia e Itália. Isto é, em termos de prazos médios de pagamento eis que se encontram outra vez os PIGS da Europa!

E se a coisa está mal, acresce que piorou no último ano. De 2009 para 2010, o Estado aumentou o prazo médio de pagamento 12 dias... Não seria melhor o Estado financiar-se (se puder!) a taxa mais baixa e pagar o que deve a horas, do que pressionar as empresas a procurarem financiamento no sistema financeiro a taxas mais elevadas, porque ele (Estado) se atrasa 84 dias após a data estabelecida?

É também por este endividamento oculto e que também não aparece nas contas públicas que me leva a considerar que até os cenários mais pessimistas dos estudos do BPI relativos à dívida pública portuguesa são optimistas.
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«DE» de 16 Jun 10

Escolhas

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Por João Paulo Guerra

FALTA DIMENSÃO ética nas escolhas políticas, sentenciou D. José Policarpo. E a sentença é tanto mais incómoda quanto o Patriarca de Lisboa é uma pessoa serena e cordata, dialogante e de grande elevação intelectual, e não propriamente um fundamentalista que ande a pregar dos púlpitos a cruzada contra os infiéis e os hereges.

E o que mais poderá incomodar a classe política na avaliação do Cardeal é que ele tem toda a razão. As escolhas políticas perderam toda a dimensão ética porque os políticos em geral perderam todo o respeito pela palavra dada.

D. José tem um caso concreto que eventualmente inspirará a sua apreciação mas teve o cuidado de não o referir para que não se diga que anda a promover uma qualquer candidatura política da Igreja. E o caso concreto é a falta de ética de uma decisão recente do chefe de Estado que promulgou uma lei que disse repudiar. Só o eleitor mais parolo não terá entendido a intenção de agradar a gregos e troianos quando se aproxima uma eleição presidência, à margem de princípios, de valores e de uma ética na política. E isto é susceptível de ferir os sentimentos de um homem da Igreja, não porque tenha a moral como um sistema de dogmas, mas porque tem a ética como uma inquestionável questão de conduta.

Simultaneamente, e sem qualquer relação com as palavras de D. José que não seja a prática de pensar e de expressar o pensamento em voz alta, 100 mulheres católicas portuguesas manifestaram-se "desiludidas" com Cavaco Silva e inquietas com um tempo em que "os valores parecem tornar-se absurdos, em muitos casos alvos a abater".

Cavaco Silva colocou uma questão de "escolhas" num cenário eleitoral que aparentemente se apresentava estabilizado. Mas, como dizia o Amigo Banana, as "iludências aparudem".
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«DE» de 18 Jun 10

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Quanto indica a balança? - Solução


164 gramas
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Quem mais se tenha aproximado deste valor, tem 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio do livro.

Actualização (17 Jun 10 / 20h06m): julgo que o passatempo foi ganho por "macy", com o palpite 163 g (erro = 1 g).

O "passatempo escondido" (print-screen 1199911) foi ganho por Carlos Antunes.

Frustração

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Por João Paulo Guerra

EM 1972, quando os despojos de D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal foram transladados do Panteão de São Vicente de Fora para o Monumento do Ipiranga, em S. Paulo, as cerimónias do tricinquentenário da independência do Brasil incluíram um torneio de futebol. A selecção de Eusébio, Humberto Coelho, Toni e Artur Jorge chegou à final da Mini-Copa com a de Jairzinho, Rivelino, Gerson e Tostão e perdeu por 0-1, com um golo marcado aos 89 minutos por Jairzinho. Mas em declarações para a Emissora Nacional, um elemento da equipa portuguesa não deixou de sublinhar que Portugal merecia ter ganho o troféu de 11 quilos em ouro e pedras preciosas. E o entrevistado expôs o seu raciocínio: assim como assim, se os portugueses lá deixavam os ossos de D. Pedro seria justo que trouxessem o "caneco" para Portugal.

O futebol - que não é mais que uma competição, um espectáculo e até pode ser uma festa - excede-se nas referências e nas expectativas dos portugueses. E em épocas de crise - que são quase todas em Portugal - o futebol é usado como compensação para frustrações individuais e colectivas. E foi assim que se espalhou a ilusão de que Portugal estaria na calha para conquistar o Mundial.

De maneira que, a esta hora, milhões de portugueses terão acrescentado mais uma frustração à "austera, apagada e vil tristeza" em que vivem. Essa história de ganhar o Mundial, após a adversa e tacanha estreia da selecção, é afinal tão ilusória como uma promessa governamental.
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«DE» de 17 Jun 10

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ler os velhos mestres

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Por Baptista-Bastos

A IDA DE UM GRUPO de banqueiros a Bruxelas possui contornos tão pouco esclarecidos como a lesão de Nani: rigorosamente, nada se sabe. Sabe-se, isso sim, que há assuntos cuja natureza nos parece sempre embrulhada em ambiguidades e evasivas. A certeza das certezas é que não nos sentimos bem, nem à vontade. A história das nossas vidas corresponde a uma decepção quase ininterrupta. Atingiu--se, em Portugal, os 10,8 por cento de desempregados, número assustador, mesmo assim enganoso: há mais, muitos mais portugueses sem emprego. Ninguém espera que o vistoso grupo de banqueiros tenha viajado a Bruxelas com o coração apoquentado pela nossa desgraça, e o alvoroço de quem se consome na procura de uma solução.

No mesmo dia soube-se que, desde Janeiro, faliram mais 1800 empresas, numa média de onze por dia. O rol dos infortúnios não termina aqui. Nem os perigos que nos ameaçam têm, nestes números, um definitivo ponto final. Com perdão da palavra, não acredito que aqueles senhores se preocupem com a salvação da pátria. Nem que procedam a um mea culpa, pela circunstância de serem os representantes típicos da falência do que têm defendido e nos arrastou para a situação miserável em que nos encontramos.

Há tempos, um outro airoso conjunto de génios, desta vez economistas, foi recebido pelo dr. Cavaco. Também se desconhece o resultado da reunião. Transpirou, para o público ignaro, que os senhores estavam muito mortificados com o estado da nação. Muitos deles haviam sido governantes; outros, decisores. Falavam como se nada tivessem a ver com as condições de desincorporação político-social em que nos achamos. Nenhum deles disse que a crise é sistémica, e corresponde ao carácter relacional do poder. Marx explicou. Mas se Marx provoca brotoeja, Max Weber também o disse, de outro modo. Leia-se, por obséquio, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

Carlos Pimenta, social-democrata e ambientalista, afirmou, recentemente, numa palestra promovida pela Intervenção Democrática: "Acho que quem alguma vez leu Marx, o próprio Marx ou Engels (não os divulgadores do Marx, pois sobre estes tenho a opinião de que são os maiores adulteradores do marxismo, propositadamente ou, tão somente, porque tornaram simplório e linear o que era dialéctico e complexo), quem estudou Marx e quem procurou interpretá-lo, inevitavelmente transportará Marx por toda a vida."

A leitura dos velhos mestres, associada à consciência de quem se não submete ao fatalismo da imutabilidade, provoca o conflito de forças e a explicação da índole do lucro e da mais-valia. Portugal não é insustentável. A noção de responsabilidade deveria corresponder à noção do exacto significado das palavras.
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«DE» de 16 Jun 10

terça-feira, 15 de junho de 2010

Passatempo Calimero de 15 Jun 10 - Solução



1.º Capítulo de Serões da Província, de Júlio Dinis

Os passeios dos atuns

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Por Nuno Crato

UM GRUPO DE CIENTISTAS, entre os quais um investigador da Universidade do Porto, acaba de publicar na revista “Nature” um estudo sobre os movimentos de várias espécies marinhas predadoras (doi: 10.1038/nature09116). Estudaram as deambulações de 55 indivíduos de 14 espécies diferentes, incluindo tubarões, atuns e outros, e verificaram que os comportamentos se ajustavam aos ditames de uma teoria matemática sofisticada. Estarão os peixes a ter aulas de cálculo?

Um dos padrões de deslocação seguido pelos animais é o chamado movimento browniano, que tem uma versão discreta conhecida por passeio aleatório. Trata-se de uma deslocação errática em que, qualquer que seja a escala em que se observe, a direcção do movimento e a distância percorrida são aleatórios. Quem pela primeira vez observou este tipo de comportamento foi o botânico Robert Brown (1773–1858), que se espantou com a agitação que pequenas partículas de pólen manifestavam quando mergulhadas em água. Foi preciso esperar por Albert Einstein para conseguir explicar o fenómeno. Em 1905, o grande físico percebeu que a agitação se devia aos choques de miríades de moléculas de água em agitação e que as desordens se somavam e subtraíam, de forma a provocar o movimento das partículas de pólen. Elaborou um esboço de modelo formal desse comportamento — e o movimento browniano fez a sua aparição em matemática. Cinco anos antes, contudo, o matemático francês Louis Bachelier (1870–1946) tinha derivado discretamente um modelo matemático semelhante. O seu objectivo era explicar os movimentos erráticos dos mercados, mas as suas ideias só foram desenvolvidas no último quartel do século XX, tornando-se a base dos estudos de matemática financeira.

Nos anos 1990, percebeu-se que algumas espécies de animais predadores, entre as quais tubarões, tinham um comportamento semelhante quando procuravam as presas. Os peixes juntaram-se aos grãos de pólen e aos mercados como exemplos de movimento browniano. Maldita matemática!

Mas há mais, alguns estudos notaram que os passeios aleatórios dos predadores mudavam quando a caça rareava. Nessas alturas os movimentos tornavam-se mais bruscos. Passavam muito tempo deslocando-se alguns poucos metros para, de repente, deslocavam-se quilómetros. Ora, no movimento browniano, o espaço percorrido em certo intervalo de tempo é aleatório, mas relativamente bem distribuído — segue aquilo a que se chama uma distribuição normal. Neste novo movimento de caçadores desesperados, a distância percorrida varia bruscamente — os animais mantêm-se relativamente tranquilos, mas de volta e meia fazem deslocações bruscas e longas. A distribuição dos espaços percorridos ajusta-se bem a uma lei chamada de Lévy, em que a probabilidade de haver grandes desvios é muito superior à que se verifica numa distribuição dita normal. Os matemáticos descreveram esse tipo de movimento como “voos de Lévy” (Lévy flights).

Recentemente, alguns cientistas modelaram matematicamente os movimentos dos predadores e concluíram que havia duas estratégias óptimas (Phys. Life Rev. 5, 133–150). Se a caça fosse relativamente abundante, os caçadores deveriam deambular seguindo um movimento browniano. Mas se a caça faltasse, a melhor estratégia seria a dos voos de Lévy.

No estudo agora relatado na “Nature”, os cientistas descrevem o movimento de peixes a que foram agrafados pequenos equipamentos electrónicos, sinalizando a sua localização. Quando a caça é abundante, os predadores movimentam-se seguindo um modelo browniano. Quando a caça rareia, passam a adoptar o modelo de Lévy. Não é que os animais tiveram mesmo aulas de matemática?!
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 12 Jun 19

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Passatempo-relâmpago de 14 Jun 10 - Solução

Quem mais se tenha aproximado deste valor, tem 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio.

É bom observador? - Solução

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Av. Almirante Reis, em Lisboa
Em 1.º plano, um amplo espaço para cargas e descargas;
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Do outro lado, à porta do Império:
Repare-se que os pilaretes em falta não são da família dos "derrubados".
Simplesmente nunca foram, sequer, colocados...
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... e o resultado é este.
Genial!
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Não têm conta, em Lisboa, os pilaretes arrancados e que, depois, nunca mais são repostos. Trata-se de simples desleixo, que já ninguém estranha.

Mas, noutros lados, o que se passou foi mais 'misterioso': o colocador de pilaretes teve o cuidado de, numa determinada fiada, se "esquecer" de meter alguns...
Um dos casos é este, junto ao Café Império - apesar de haver, ali em frente, um espaço destinado a cargas e descargas. Quem é amigo, quem é?

Vergonha

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Por João Paulo Guerra

UMA SONDAGEM publicada no final na semana passada pelo Correio da Manhã dava o primeiro-ministro a cair desamparado no índice de confiança dos portugueses.

Não admira. O que admira é que o guarda-costas do primeiro-ministro, o líder da chamada oposição, registasse uma subida idêntica à queda do chefe do governo. Porque na verdade tudo o que José Sócrates tenha feito nos últimos tempos, que explique a descida no índice da confiança dos portugueses, o fez com o ámen de Passos Coelho. Mas é assim a lógica perversa da democracia bipolarizada. Porque não contando apenas com o quadro míope da bipolarização imposta mediática e subconscientemente como modelo de alternância, o somatório das intenções de voto na esquerda é maioritário, o que não tem nunca qualquer efeito prático em Portugal.

Notícias publicadas nos últimos dias revelam um país que desautoriza e desacredita quem o governa e as políticas sem saída que conduziram Portugal ao beco da crise e às ruas da amargura. Ao fim de três décadas de governação PS e PSD, alternados ou em bloco, com ou sem CDS na bolsa marsupial, Portugal voltou a ser um país bom para se fugir daqui para fora. Há uma nova vaga de emigração, com portugueses a procurarem lá fora aquilo que não encontram cá dentro: emprego, melhores salários e realização profissional. E entre os portugueses que ficam começa a ser dramático o défice demográfico. Segundo um especialista citado pela imprensa a propósito das estimativas demográficas do INE, em Portugal faltam condições para ter e criar filhos.

Este retrato de um país de onde se foge ou se evita nascer devia encher de vergonha os governantes. Ou será que a vergonha é um produto que se esgota ainda mais depressa que as promessas eleitorais?
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«DE» de 14 Jun 10

YES, MINISTER! (?)

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Por Guilherme Valente

O EXEMPLO da Finlândia é muito referido, mas poucas vezes com rigor.

Também a Senhora Ministra referiu a Finlândia na Assembleia da República. Na Finlândia não há retenções, afirmou, parecendo querer dizer não existir essa possibilidade naquele país. E nem um deputado lhe pediu para esclarecer o que terá pretendido afirmar. Nos debates parlamentares nunca foi feita, aliás, a pergunta iluminante de toda questão da educação: em que tipo de sociedade quer o «eduquês» obrigar os Portugueses a viverem?

Na Finlândia existe a possibilidade de retenção. Mas o objectivo e a qualidade do ensino; a preparação dos professores e o reconhecimento da sua função inestimável; as regras, a direcção e o ambiente nas escolas; a responsabilidade exigida aos pais; a exigência desde o primeiro dia de aulas, reduzem as retenções a uma percentagem residual.

Na Finlândia a escola é a sério. Tudo está organizado para os professores ensinarem, os alunos aprenderem, para ninguém ficar para trás.

Em Portugal, pelo contrário, o facilitismo é cultivado desde o primeiro dia de aulas. E logo interiorizado por todos: alunos, pais e professores. (Para o bem e para o mal, é uma característica dos seres humanos: adaptarem-se depressa.) O resultado não pode ser outro.

A escola finlandesa é o inverso da escola em Portugal. E a medida agora anunciada – possibilidade oferecida aos alunos de 15 anos retidos no oitavo ano de poderem «saltar» para o décimo (e porque não aos de 14 anos?) – é um exemplo expressivo dessa diferença.

Medida injusta, por não ser oferecida a todos de qualquer ano (e os melhores conseguiriam avançar); inútil se os exames forem sérios; irreflectida por abalar sem mais a própria arquitectura do tempo de escolaridade.

Pareceu-me, aliás, haver constrangimento e confusão na defesa feita pela Ministra desse «milagre». Por isso pergunto: quem manda no ME?

Será seriamente imaginável que alunos reprovados (apesar do facilitismo todo) no 8º. ano, possam aprender num ano a matéria do 8º. e do 9º?. E se passarem no «exame sério» do 9.º e reprovarem no 8.º? E os pobres dos professores que os apanharem no décimo?

"Exames” em vez de exames, é o que virá. Prepara-se, portanto, mais um grande êxito… estatístico. É para isso esta medida. E não se faz o que devia ser feito: a oferta criteriosa, a tempo de prevenir o abandono, de uma via técnico-profissional, de exigência e dignidade iguais à via de acesso ao ensino superior, que, na Finlândia é frequentada, aliás, pela maioria dos estudantes.

O que é oferecido em algumas escolas, por iniciativa de directores e professores que vivem quotidianamente essa falta gritante, sem o empenhamento autêntico, muito pelo contrário, do Ministério, não pode responder a essa necessidade imperiosa. Mas mesmo assim - ouçam-se essas escolas – esses exemplos, que a nomenclatura do Ministério teve de aceitar que surgissem e procura sabotar, a funcionarem sem o reconhecimento, os meios humanos e as condições mínimas, provam a razão dos que durante todos estes anos combateram pela oferta de uma via de ensino técnico profissional no sistema educativo: a sério, qualificada, exigente e dignificada.

Impõe-se, pois, a pergunta, para muitos retórica: a Senhora Ministra está com ou contra o eduquês? Quer continuar a nivelar por baixo? Partilha o igualitarismo, anti-cultura, anti-conhecimento, loucura de tornar todos iguais? Ou, pelo contrário, quer uma escola de liberdade que revele e valorize as capacidades, interesses e vocação de todos, até ao limite do possível? Uma escola que reduza as desigualdades, ou esta escola de mentira, de ignorância e de exclusão que as agrava? Anti-escola que tornou Portugal no país mais desigual da União, com excepção da Polónia.

Tem um projecto para fazer sair o ensino público das trevas?
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«Público» de 14 Jun 10

domingo, 13 de junho de 2010

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

A COMISSÃO EUROPEIA informou, agora, estar «preocupada porque Portugal não cumpriu as suas obrigações ao não abrir à concorrência os contratos para o fornecimento de computadores portáteis a estudantes e professores» do programa e-Escolas e dá dois meses ao Governo português para «responder de forma satisfatória», sob pena de «levar o caso ao Tribunal de Justiça» europeu. No que diz respeito ao afamado minicomputador Magalhães, do programa e-escolinhas, Bruxelas suspendeu o procedimento sancionatório depois de o Executivo de Sócrates dar garantias de ter passado a sujeitar a concurso público o seu fornecimento.

E qual foi a extraordinária reacção do secretário de Estado das Comunicações perante tal admoestação? «As dúvidas terminaram!», exclamou um sorridente Paulo Campos. Que teve, ainda, o topete de acrescentar: «Quero congratular-me com a decisão da Comissão Europeia de arquivar o procedimento» relativo ao Magalhães». Ou seja, o Governo reage como um delinquente que, após ser julgado por uma falcatrua, sai do tribunal a exultar com o facto de ter sido condenado com pena suspensa. «Como vêem, não fui preso, o processo está arquivado e as dúvidas terminaram!», diria o risonho trapaceiro.

Acrescente-se que a comissão de inquérito parlamentar à distribuição dos computadores Magalhães acaba de concluir que o Governo violou as regras «de confidencialidade, de transparência e de sã concorrência» ao entregar, sem concurso público, à empresa JP Sá Couto a produção e distribuição de mais de 400 mil computadores Magalhães. O que diz a isto o impenitente secretário de Estado Paulo Campos? Que «é uma atitude mesquinha» da Oposição, que apenas quer fazer «combate político a um programa de sucesso do Governo».

A propensão deste Governo para o clientelismo partidário e o amiguismo empresarial é capaz de perverter e estragar até boas ideias, como foi a distribuição dos Magalhães aos alunos do Ensino básico.

E a tendência para negar a realidade e tentar desmentir os factos mais evidentes e incontroversos tornou-se um hábito incorrigível deste Governo já fora de prazo. O extraordinário Paulo Campos não se cansa de o demonstrar. Um verdadeiro malabarista.
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«SOL» de 11 Jun 10

Curtas-Letragens - GTB

Por Miguel Viqueira

DAS COISAS QUE FAÇO com prazer é falar dele, Gonzalo Torrente Ballester, o romancista que há exactamente cem anos, nesta manhã de Santo António, nascia no vale de Serantes, a dois passos do Ferrol (Galiza), e de quem tive a sorte de ser muito amigo. E o privilégio de aprender quanto sei de algumas coisas importantes para mim.

Diz-se que os artistas não têm biografia, têm obra. E que é melhor que assim seja porque as vidinhas deles soem ser um desastre humano de proporções insuspeitas, muito em particular as dos escritores. Neste caso está longe de ser verdade: a biografia de GTB faz jus à magnitude da sua obra, não pela quantidade nem a importância dos feitos mas pela qualidade humana com que se conduziu neste mundo, comportamento que fez dele talvez o último dos cavalheiros que eu conheci, uma pessoa cabal, um ser humano completo, inteligente e divertido, de rara compaixão, um exemplo humilde de rectidão moral e de bondade não contaminada.

Acendeu-se naquela manhã atlântica a luz de um escritor que atravessaria o século, que resistiria todas as suas tragédias e acabaria por nos deixar um legado de extraordinária importância sob a forma de uma obra literária que não tem par na Espanha contemporânea e cujo alcance nos sobreviverá a todos longamente. Admirador de Portugal, país que julgava o seu mais afim, não escondia o gosto pela literatura portuguesa: Eça e a geração de 70 eram a sua devoção; Pessoa o seu poeta e Torga o seu descobrimento tardio: três marcos de um muito mais vasto conhecimento lusitano com o qual se identificava, como sujeito atlântico que sempre fez questão de se reconhecer.
Ficou apenas uma coisa por fazer, que lamentarei sempre: passar uns dias de verão em Sintra (“É inevitável imaginar, por trás das janelas esconsas, vidas extraordinárias, sucessos suculentos, sem que isto seja exagerar, pois toda a vida humana, se se conhecesse na sua substância e não apenas na aparência, contada, seria extraordinária e única: contada com graça, entenda-se. Mas isto não o sabem alguns escritores”), ir de charrete à vila nas manhãs de neblina, mantinha escocesa sobre as pernas e um ar de romântico inglês em férias...

A luz de GTB iluminou as vidas de quantos o conheceram. A minha alterou-a completamente: fiquei seu eterno devedor e não passa dia que o não lembre. Restam-me as memórias e os seus livros, muitos dos quais se podem encontrar bem traduzidos em português. Ninguém o deixou escrito melhor do que ele próprio: “Quando morre um escritor, o melhor que se pode fazer é procurar nos seus livros o testemunho da sua relação com a realidade, e que o leitor o faça seu como puder e enquanto puder. Que não desespere na busca: por trás da obscuridade aparece sempre alguma coisa”.

sábado, 12 de junho de 2010

As vouvuselas e a crise

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Por Antunes Ferreira

NÃO SABIA O QUE ERA uma vouvuzela. Santa ingenuidade e candura q.b. Quando ouvi pela primeira vez o termo, palavra que pensei que era qualquer coisa comestível, que tivesse aparecido a enriquecer um qualquer menu. A minha mulher reprovou-me com alguma acrimónia - que eu só pensava em comida. Não lhe respondi. Tal como no famoso debate televisivo, pensei para mim mesmo que não respondo a provocações.

Amigos ou similares, classificaram-me como espécime em vias de extinção, ao saberem do meu desconhecimento. Outros, aliás bastantes, suspeitaram e disseram-no que se tratava de mais uma das minhas habituais facécias. Que já sabiam o que a casa gastava e que eu estava mas era a mangar com o pessoal.

Porém, por uma destas noites mais caldas, estava tranquilamente a atirar-me ao teclado, quando me entrou pelo escritório que me dou ao luxo de ter em casa, um som tonitruante e simultaneamente pungente. Teria fugido o elefante do sininho do Zoológico? Parecia-me um lamento de proboscídeo capturado, prestes a regressar ao seu fosso nas Laranjeiras.

Fui à varanda e os decibéis continuavam em registo lancinante; mas de animal trombudo nenhum vestígio. No prédio há um, o vizinho do terceiro andar, exactamente por cima do meu, que quando o encontro no elevador ou na garagem vem sempre de trombas como se fora um trabalhador da Função Pública a trabalhar ao domingo. Sem horas extraordinárias.

Face à situação e aos desacordes que não cessavam, vim para dentro e perguntei à caríssima metade o que seria aquele tsunami sonoro. Ela olhou-me como se estivesse perante o ET do Spielberg. São umas duas ou três vouvuzelas. São quê? Duas ou três, quiçá mesmo quatro vouvuzelas. Disseste que não sabias o que eram; agora já sabes.

Calei-me para não agravar a questão. Mas, depois, aquando da transmissão televisiva de um jogo treino da selecção nacional, descobri o que eram esses instrumentos demoníacos, misto de trombeta e cana rachada que produziam um alarido sonoro de tal ordem que quase me levou a não assistir ao jogo com Cabo Verde. De resto, melhor seria que me tivesse retirado, tal a pobreza da prestação do Cristiano Ronaldo & ajudantes. Sem esquecer o Queirós, o Carlos, que não o Eça.

Originárias da África do Sul e vendidas por requisição nos postos da Galp, originando bichas, perdão, agora diz-se filas - por mor de más interpretações e piores intenções – de extensão impensável. Custam um euro esses objectos de tortura auditiva e tudo indica que seja um óptimo negócio. Pelo menos, foi esse o comentário do Marques, que se dedica à prestimosa tarefa de atestar o depósito do meu Hyundai com gasosa de 95 octanas.

Começou em Joanesburgo o Mundial e o tormento para os tímpanos e para os restantes componentes dos ouvidos, incluindo os estribos. Valha-nos, porém, uma coisa: a partir de ontem não há crise. Que resista às vouvuzelas. Portugal acalmou e até o nosso primeiro dorme mais descansado. Se não tiver uma qualquer vouvuzela por baixo da sua varanda.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Remoques

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Por João Paulo Guerra

O CHEFE DE ESTADO produziu uma afirmação que fica bem a qualquer estadista e em qualquer discurso.

Disse que não é Bruxelas que decide a agenda de Lisboa. Acontece que pelo andamento da carruagem se vê que não é preciso Bruxelas decidir a agenda de Lisboa, uma vez que Lisboa decide segundo a agenda de Bruxelas.

Recapitulemos. O comissário europeu para os Assuntos Económicos, o liberal finlandês Olli Rehn, reincidiu nos seus remoques a Portugal e nos seus avisos aos portugueses em matéria de austeridade e direitos laborais. O comissário, escolhido pelo Dr. Durão Barroso, já tinha metido o bedelho no PEC, em Abril passado, reclamando a Portugal e aos portugueses "esforços adicionais" para reduzir o défice orçamental. E como ninguém em Portugal se mostrou melindrado, o finlandês reincidiu, dando agora um público puxão de orelhas ao governo de Lisboa pela alegada insuficiência das medidas de austeridade e a suposta brandura da legislação laboral portuguesa. Foi então que o chefe do Estado se fez ouvir para declarar que "nenhuma entidade exterior pode colocar matérias dessas na agenda portuguesa".

Muito bonito mas absolutamente inútil. Porque a pressão para endurecer a austeridade e agravar a legislação laboral em Portugal tem origem no próprio Governo português. Ou seja: o governo socialista de Portugal não precisa dos conselhos de nenhum liberal finlandês, nem mesmo de uma União Europeia dominada por uma direita fundamentalista, para meter a mão no bolso das classes média e média baixa portuguesas e reduzir mais os direitos laborais dos portugueses que ainda têm emprego.

O mundo está a mudar, sentenciou o primeiro-ministro. Mas a questão é que está a mudar para pior. E a crise veio mesmo a propósito e dá mesmo jeito.
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«DE» de 11 Jun 10

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Resposta com esperança... [Ver NOTA]

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Por Guilherme Valente

COMO ACREDITO na inteligência, não consigo imaginar que alguém conscientemente se queira enganar a si próprio. Proponho, por isso, ao comentador que leia e considere, sem preconceitos, com espírito aberto, este meu texto.

1. O que incomodou no meu texto anterior (*) não foi a história pessoal a que recorri. O que incomodou foi aquilo que a história me ajudou a transmitir com clareza. Vou repetir: o eduquês quer tornar toda a gente igual, mesmo que para isso tenha de reduzir toda a gente à ignorância e à boçalidade.

O que terá doído foi a evidência que referi: a realização desse projecto horroroso e inatingível (por isso delirante) conduziu e conduz inevitavelmente ao nivelamento por baixo, ao facilitismo sempre crescente. Diminui todos os alunos, mas prejudica sobretudo os mais desfavorecidos, as crianças pobres, de famílias pouco instruídas, sem meios ou conhecimentos para procurarem outro ensino, no país ou no estrangeiro. O delírio igualitarista agrava as desigualdades.

Note-se que esse projecto, para poder ser realizado, como foi sendo realizado, não podia (nem pode) ser assumido. Se o fosse, depararia, naturalmente, com a oposição geral do Pais. Pelo contrário, tinha de ser disfarçado, no discurso e com os recuos tácticos convenientes, usando o apoio dos idiotas úteis, dos ingénuos e dos oportunistas, matéria-prima que, como se sabe, num país com o grau e a qualidade de instrução do nosso, não falta.

E foi por isso, e é por isso, por não poderem assumir tal projecto (que não teriam argumentos para justificar, acrescente-se), que nunca responderam à nossa crítica, fazendo passar a ideia de que não somos especialistas, de que não temos credibilidade para falar dos problemas de educação. Na verdade, como se sabe, embora seja muito esquecido e pouco praticado entre nós, o que vale é a qualidade dos argumentos não o estatuto ou a cara de quem os emite. E o que está em causa discutir, aliás, exige apenas inteligência, cultura geral e sensatez. De qualquer modo não trocaria o meu currículo, de formação académica e profissional, por mil currículos dos «especialistas» do Ministério.

(Note-se, de passagem, que para quem impõe o regime das «competências», para quem desvaloriza a cultura letrada, para quem quer acabar com as elites, para quem quis impor a participação de miúdos de dez anos na direcção das escolas, e dos alunos do secundário na elaboração do programa dos cursos e na definição de modelos de avaliação, a contradição é gritante. Na verdade, o que querem, afinal, é uma sociedade igualitária em que sejam eles os únicos… desiguais. Também não é novo na História. )

Por outro lado, o facto de hoje, num país da União Europeia, depois da experiência do PREC, tal projecto ser inimaginável, fez com que o eduquês contasse com a distracção ou a indiferença de quase todos nós.

Mas se não podia ser assumido «oficialmente» pela nomenclatura do Ministério, a verdade é que os teóricos mais puros e duros do eduquês não resistiram a irem revelando nos seus escritos, mais ou menos explicitamente, esse projecto impensável (ver a antologia organizada por Nuno Crato, O Eduquês em Discurso Directo, Gradiva).

E, assim, o projecto pode ser realizado com uma continuidade que nunca qualquer outro programa político teve depois do 25 de Abril, sobrevivendo a todas as mudanças de governo, aos vários ministros da educação, à tragédia gritante, sempre a agravar-se, dos resultados e do abandono escolares, do ambiente insuportável em muitas escolas, à frustração e à desistência de inúmeros professores, à evidência crescente dos seus efeitos devastadores na realidade económica e social do Pais.

2. Repetido o que quis afirmar no meu texto, pergunto ao Senhor Eduquês que o comentou (trato-o assim por não saber o seu nome): é verdadeiro o que afirmo ou é falso? Se é falso explique então, a todos nós, claramente, qual é o projecto do eduquês do Ministério. E diga-nos de que outro modo poderemos interpretar os escritos dos representantes puros e duros do eduquês coligidos no livro de Nuno Crato.

Aliás, como muito pertinentemente foi referido noutro comentário, quem tem de responder a estas questões é a senhora Ministra da Educação. Tem de dizer claramente ao País de que lado está, o que pensa do eduquês e como vai agir relativamente ao seu domínio total do sistema educativo. Dizer muito claramente, qual é, afinal, o seu projecto, que intenções tem.

3. Um mundo de clones é o mundo em que o eduquês gostaria de nos pôr a viver. Com essa nomenclatura iluminada a mandar em nós, claro. Como aconteceu sempre nas tragédias históricas em que a experiência foi tentada.

Mas é, felizmente, um mundo impossível. Felizmente, porque para mim não é um mundo desejável. Não quero ser igual a ninguém. «Não sei por onde vou, não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí» são versos de José Régio.

4. Dito isto, vou tentar mostrar (permita-se-me a especulação um pouco naive a que vou recorrer) que o projecto igualitarista é irrealizável. Mas, antes disso, quero lembrar que mesmo quando se apresentou como um projecto generoso acabou sempre, historicamente, quando as circunstâncias o permitiram e não foi travado a tempo, na crueldade mais odiosa. Não podia ser de outro modo, como facilmente se compreende. Um dos exemplos mais recentes é o do Cambodja de Pol Pot: começou na escola e terminou nos campos de extermínio. Não é ficção aquilo de que falo.

Assim:

a) A primeira condição para realizar a igualdade de todos os seres humanos teria de ser a «construção» de pessoas (pessoas?) geneticamente iguais. O que é uma impossibilidade absoluta. Repare-se, no entanto, que foi esse o projecto do nazismo. Eliminar todos os que não pertencessem a uma suposta raça ariana. Começou pelos judeus e, por meio da esterilização, pelos ciganos e deficientes. E começou sem que quase ninguém imaginasse que poderia tomar conta da Alemanha, sem que fossem levadas a sério as suas primeiras manifestações. Lembram-se do filme Cabaret?

b) Mas mesmo que essa impossibilidade fosse realizada, seria necessário muito mais, designadamente: impor a toda a gente a mesma alimentação, obrigar toda a gente a viver no mesmo sítio, a ter os mesmos mesmos vizinhos, os mesmos encontros e desencontros, o mesmo número de irmãos, a mesma longevidade de toda a família (eu perdi o meu pai aos oito anos e sei como isso marcou o meu destino), os mesmos amigos, as mesmas viagens, a mesma namorada, os mesmos livros, os mesmos filmes (é por isso que os regimes totalitários impõem a censura e queimam os livros), o mesmo Benfica, a tropeçar as mesmas vezes, a ter ou a não ter os mesmos acidentes, etc., etc., etc. Percebe-se certamente o que caricaturalmente estou a tentar explicar.

Leonardo da Vinci teve onze irmãos. Sabe-se o nome de algum deles? Se conseguíssemos fabricar um Einstein geneticamente igual ao original, não conseguiríamos com isso outro Einstein como o que existiu. Percebe-se porquê, não preciso de pormenorizar mais.

Uma loucura, um delírio, portanto. Mas sabemos que foi tentado. E sabe-se a dimensão de sofrimento que causaram as experiências de concretização dessa loucura. E lembramo-nos dos nomes dos «demiurgos» que as impuseram.

À esquerda ou a à direita - o totalitarismo não é de esquerda nem de direita – a explicação remete sempre para a avidez de poder, o ressentimento, a insegurança pessoal (enfim, não quero, nem seria a pessoa indicada para avançar as explicações do totalitarismo, do delírio ou da simples insensatez), rapidamente transformados em cegueira fanática, inevitável escalada de imparável violência, imposta, porventura, pela lógica de ocultação e justificação. Como é possível que alguém ainda se iluda e isso se possa repetir, se esboce, ou simplesmente se deseje? (Valerá a pena ler, a propósito, o pequeno, mas muito interessante, livro de ensaios de Umberto Eco, Cinco Escritos Morais, Difel.)

O problema e o desafio não é tornar todos iguais. O problema e o desafio é o das condições da liberdade para todos.

A liberdade não pode existir na imposição de um padrão, numa realidade em que «a obediência a um padrão é a única forma considerada verdadeira de auto-afirmação, onde aquilo a que se dá o nome de liberdade não é a possibilidade de agirmos no interior de um qualquer vazio, por reduzido que seja, reservado à nossa escolha pessoal, sem interferências dos outros». A essência da "liberdade livre" (a expressão feliz é de outro poeta, António Ramos Rosa) está na possibilidade de escolhermos o que queremos ser, porque o desejamos, sem coerção, sem opressão, não absorvidos num grande sistema… inexoravelmente totalitário.

O sonho da harmonia universal não será realizável, mas a redução das desigualdades sociais deve ser um objectivo sempre presente, que só pode ser realizado pela educação, oferecida a todos, apoiando mais os mais desfavorecidos, os que tenham maior dificuldade em progredir, uma educação dirigida ao que é distintivo da nossa humanidade: à inteligência, que só pode gerar solidariedade; realizado pela afirmação e a defesa intransigente dos direitos e dos grandes valores humanos; pelo aprofundamento da democracia.

Claro que o caminho da liberdade e do progresso não é, como bem sabemos, um caminho sem escolhos. É um caminho de combate, foi para muita gente, um caminho de grandes sofrimentos, de avanços e de recuos, mas chegámos aonde chegámos.

Como disse Churchill e vem a propósito lembrar, não se encontrou até hoje melhor solução, apesar das limitações e dos obstáculos que revoltam e é preciso enfrentar e superar. De qualquer modo, o que haverá mais para fazer na vida se não caminhar…

Educação, insisto, centrada no que se dirija ao córtice cerebral, o «lugar» onde a matéria se converte em consciência, o reino da intuição e da análise crítica, onde surgem as ideias e a inspiração, a matemática e a música. O córtice que controla a nossa vida consciente. Que distingue a nossa espécie. Cerne da nossa humanidade. Que produziu a civilização. Um ensino centrado no conhecimento, na exigência intelectual e na responsabilidade humana, nas suas várias dimensões.

Percebe-se, assim, também, porque são um logro, e humana e socialmente um crime, as «novas» teorias pedagógicas.

Sabemos que esta ambição humaníssima tem de ser um combate diário de cidadãos informados e, por isso, com consciência crítica. Construindo a confiança que é condição do progresso pessoal e social. Cidadãos que "aprendam a aprender" (outro slogan mentiroso do eduquês…) da única maneira que há para o conseguir: aprendendo, adquirindo os conhecimentos que contam e lhes permitem pensar criticamente a realidade, conhecimento que transforma, valoriza, a inteligência. Como explicou muito claramente Carl Sagan, parecendo estar a enfrentar o tal slogan absurdo, mas que ouço ser repetido por tanta boa gente que devia compreender o logro: «A informação a que temos acesso é o índice da nossa inteligência». Percebe-se, pois, porque é um crime a desvalorização do conhecimento e dos saberes, a atrofia da memória, estúpida ou perversamente programada, perpretada na escola.

É por isso que para mim só há um grande e fundador problema em Portugal: o do baixíssimo nível de instrução dos Portugueses. Resolvido esse, todos os outros se resolverão por acréscimo. É esta a grande dívida pública, monstruosa, endémica, de Portugal. Que em cada dia se está a agravar (ao contrário do que me dizem ter dito no dia 26, na televisão, surpreendentemente para mim, o Professor Marçal Grilo). É este o grande défice cívico de todos nós.

E pronto, vou para férias. Felicidades para todos, mesmo para todos.
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NOTA: O título completo deste 'post', tal como foi afixado no De Rerum Natura, é: «Resposta com esperança a quem comentou a minha história em vez de enfrentar com argumentos o que eu disse sobre eduquês». Trata-se de uma resposta de G.V. a um leitor que, nesse blogue, discordou do texto anterior, que também foi afixado no Sorumbático e se pode ler [aqui] e [aqui].

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A incapacidade de encontrar

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Por Ferreira Fernandes

A 1 DE MAIO, uma jovem de Lamego saiu de carro e sozinha para o restaurante em que trabalhava, na Régua. Não tendo chegado, colegas alertaram a família, esta, as autoridades e Portugal passou mais de um mês com o mistério de Carina Ferreira. Hipóteses, muitas: acidente, rapto, crime passional ou, tão-só, vontade de uma jovem partir. O caminho entre Lamego e a Régua foi "passado a pente fino", como escrevem os jornalistas, para quem as buscas são sempre a pente fino tal como um líder é sempre carismático. Fizeram-se buscas de helicóptero sobre o Douro e o Balsemão e houve mergulhadores nos rios. Entretanto, a PJ recitava livros de criminologia: "A alteração súbita das rotinas e não se ter mexido nas contas bancárias indiciam estar-se perante um crime." Fizeram-se triangulações dos dois telemóveis da jovem. Surgiram as redes sociais: na Internet, 20 mil pessoas em busca de Carina, no Facebook, 34 mil seguidores amigos. Na queima das fitas coimbrã, uma manifestação por Carina.
Agora, 38 dias depois, a jovem apareceu morta. Numa ravina, a 3 km de casa, na estrada que se presumia que ela tomou, no percurso de uma dúzia de quilómetros entre a casa e o trabalho. O mistério afinal é só um: como é que um Peugeot 106 vermelho passa por pente fino? Se calhar, a resposta é: o espectáculo tapa muito. Não fosse ele, numa zona de ravinas procurava-se nas ravinas.
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«DN» de 9 Jun 10